Gostaria de compartilhar uma atualização de um texto sobre a dependência brasileira em importações de petróleo. Escrevi esse texto originalmente em 2018, à luz da greve dos caminhoneiros, e agora atualizei com novas informações, visto que o tema está em voga.


Análise da balança comercial do petróleo e derivados

Daniel K. Komesu

Este texto analisa a evolução das exportações e importações brasileiras entre os anos de 2008 e 2020, com foco no óleo diesel, motivado pela recente paralisação dos caminhoneiros em decorrência da alta dos preços desses produtos.

Utilizando dados do Ministério da Economia (ME) de exportações e importações brasileiras, analisa-se a evolução do saldo da balança comercial de petróleo do Brasil. Com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), observa-se superávit na balança comercial de petróleo bruto e déficit no de derivados. Houve queda de processamento de petróleo nas refinarias brasileiras, a despeito do crescimento da produção de petróleo nacional. O mercado interno de combustíveis é dependente de importações de óleo do exterior, visto que as refinarias nacionais foram planejadas para utilizar petróleo leve e o petróleo brasileiro é pesado por isso é necessário misturá-lo com o petróleo importado.

Balança Comercial de Petróleo e Derivados

A ANP (2022) publica estatísticas da balança comercial de petróleo e seus derivados mensalmente em seu site. Segundo esses dados, o Brasil tem significativo superávit no comércio exterior de petróleo bruto (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Balança Comercial de petróleo bruto, anual, Brasil, 2000-2021, FOB US$

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2022)

O Gráfico 2 mostra a participação relativa das exportações e importações, em dólares free on board (FOB), de petróleo bruto na balança comercial brasileira. da balança comercial brasileira (Gráfico 2). À medida que o país aumentou a produção de petróleo a participação relativa do petróleo bruto nas importações diminuiu e, nas exportações, aumentou. A exportação de petróleo bruto ganhou importância no comércio exterior brasileiro, ajudando nos superávits comerciais, e a dependência do petróleo bruto internacional diminuiu. Contribuíram para isso a descoberta das reservas de óleo no pré-sal e os investimentos da Petrobras em plataformas de extração de petróleo em alto-mar.

Gráfico 2 – Participação do petróleo bruto nas exportações e importações, anual, Brasil, 2000-2021, %

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2022)

Por outro lado, os derivados de petróleo (óleo diesel, gasolina, querosene etc.) contribuem negativamente para o saldo da balança comercial do país. Cerca de 40% do valor das importações de derivados de petróleo é de óleo diesel.

Gráfico 3 - Balança Comercial de derivados de petróleo, anual, Brasil, 2000-2021, FOB US$

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2022)

A explicação para o superávit do petróleo bruto e déficit dos derivados de petróleo é o tipo e a qualidade do petróleo produzido no Brasil e o déficit na capacidade instalada de refino do óleo. Apesar do país ocupar a nona colocação do ranking de maiores países produtores de petróleo do mundo, com uma produção diária de 3,026 milhões de barris por dia , isso não quer dizer que o país não depende do mercado externo.

O óleo extraído no Brasil é considerado pesado , difícil e caro para as refinarias produzirem combustíveis. As refinarias brasileiras foram projetadas, na década de 1970, para processar o óleo leve importado , por isso o país exporta esse petróleo pesado para o exterior e importa o petróleo leve, mais apropriado para processamento pelas refinarias nacionais. A autossuficiência em petróleo obtida com a descoberta do pré-sal (petróleo pesado) não livrou o país da dependência do mercado externo.

A capacidade instalada também é insuficiente para abastecer o mercado doméstico, necessitando importar o produto pronto de outros países. Em 2021 foram importados 14,4 milhões de metros cúbicos (m³) de óleo diesel do exterior, enquanto as vendas somaram 62,1 milhões de m³.

O câmbio, o petróleo e o óleo diesel

Entre o final de 2011 e o final de 2014 o preço médio do barril de petróleo bruto esteve em patamares bastante elevados historicamente (Gráfico 4). O câmbio, vale lembrar, se desvalorizou nesse período (Gráfico 5), o que contribuiu para elevar o custo do petróleo importado mesmo em momentos de relativa estabilidade dos preços internacionais.

Gráfico 4 – Preço do petróleo bruto (Brent), internacional, mensal, jan/2000-mai/2022, (US$ FOB)

Fonte: Elaboração própria com dados do Ipeadata (2022)

Gráfico 5 - Taxa de câmbio, compra, média mensal, Brasil, jan/2000-mai/2022, R$/US$

Fonte: Elaboração própria com dados do Ipeadata (2022)

Apesar do aumento do custo de importação do petróleo, houve poucos reajustes nos preços os combustíveis pela Petrobras (Gráfico 6), geralmente abaixo do aumento do preço do petróleo. Dessa forma os reajustes não compensavam a alta do preço internacional do petróleo.

Gráfico 6 - Preço médio de revenda do Óleo Diesel, Brasil, mensal, R$/litro

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2022) e IBGE (2022)

Nota: Valores deflacionados a preços de maio de 2022 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE

Dentre os motivos para esse “represamento” de preços de combustíveis estão a proximidade das eleições presidenciais e a tentativa do governo de estimular a economia segurando um dos principais fatores de custo das empresas e famílias .

Como o país é dependente do óleo importado, a empresa comprava o produto do exterior a preços internacionais e vendia a preços defasados. Essa medida, portanto, causou prejuízos bilionários à empresa e foi o principal motivo para a mudança da política de preços da empresa (MORAES, 2018).

Com o objetivo de corrigir esse problema, o governo Temer, em 2016, adotou a metodologia de Preço de Paridade de Importação (PPI), refletindo o preço do petróleo no mercado internacional, os preços dos combustíveis vendidos pelas refinarias da Petrobras são reajustados levando em consideração o preço internacional do petróleo, a taxa de câmbio e os riscos de internação do petróleo. A mudança na política de preços da Petrobras aumentou a volatilidade dos preços e foi um dos motivos da paralisação dos caminhoneiros ocorrida em maio de 2018.

Devido à guerra na Ucrânia os preços do petróleo tiveram forte alta (Gráfico 6), o que elevou os preços dos combustíveis nos postos, suscitando novamente grande debate pela mudança na política de preços da Petrobras. Para amenizar a volatilidade de curto-prazo poderia ser adotado um mecanismo de suavização de preços para diminuir os riscos e incertezas percebidos pelos agentes econômicos em relação aos preços dos combustíveis, como proposto por Coady (2012). Existem vários mecanismos para suavização de preços, dentre eles os mecanismos de bandas de preços e o de média móvel.

O mecanismo de bandas de preços estabelece um limite máximo para o reajuste do preço dos combustíveis em cada período. A variação de preços é repassada gradualmente, a cada período, no limite máximo estabelecido.

O mecanismo de média móvel baseia os ajustes de preços no varejo pela variação média do custo de importação dos combustíveis. Por exemplo, os varejistas são permitidos alterar seus preços usando a variação média dos últimos de três meses do custo médio de importação. Usar períodos de média mais longos reduzem a magnitude das mudanças de preços.

Está em discussão, na Câmara dos Deputados, projeto de lei 1472/2021 que cria um sistema de bandas de preços para limitar o reajuste de preços para o consumidor final . O projeto prevê a criação de um fundo de estabilização para conter a alta dos preços dos combustíveis – Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-Combustíveis) – e o Auxílio Combustível Brasileiro (ACB). Entre as fontes dos recursos para essas medidas estão os dividendos da Petrobras pagos à União e as participações da União nos regimes de concessão e partilha (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2022).

Produção e refino de petróleo

A produção de petróleo brasileiro está em crescimento desde 2000, e não aparenta estar desacelerando (Gráfico 7). O volume de petróleo processado, por outro lado, teve uma quebra na tendencia de alta em 2015.

Gráfico 7 – Produção e Processamento de Petróleo, Brasil, m³, anual, 2000-2021

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2022)

O descompasso dos ritmos de crescimento da produção e do processamento de petróleo pode ser explicado pelo foco da Petrobras, principal empresa do setor, na extração e exportação de óleo bruto, visto que o negócio de refino de petróleo exige altos investimentos, a construção de uma refinaria é demorada e a margem de lucro é baixa em comparação à operação de extração. Além disso, a Petrobras está executando um plano de venda de ativos (desinvestimentos) que inclui a venda de refinarias e isso tem impactado o refino de petróleo. A redução de produção de derivados de petróleo está relacionada ao aumento da ociosidade das refinarias em operação no país. A produção dos produtos derivados de petróleo nas refinarias brasileiras teve significativa queda a partir de 2015 (Gráfico 8), com a maior variação negativa sendo o óleo diesel. A gasolina automotiva (GASOLINA A) também teve queda de produção, mas em volume absoluto menor do que o do diesel.

Gráfico 8 – Produção de derivados de petróleo, Brasil, m³, anual, 2000-2021

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2022)

Existem 16 refinarias em operação no país, as quais produziram 42,2 milhões de m³ de óleo diesel ao longo de 2020. Considerando que as vendas de óleo diesel no mesmo ano foram de 57,5 milhões de m³, evidencia-se que o número de refinarias no Brasil é baixo para a demanda existente e um aumento de empresas no setor poderia fortalecer o fornecimento de gasolina e diesel para as indústrias e a população em geral. Em 2020 o país importou 12 milhões de m³ de óleo diesel para suprir sua demanda (BRASIL, 2021).

Conclusão

O Brasil é altamente dependente do petróleo do mercado externo e, portanto, o preço internacional do petróleo afeta diretamente o custo do diesel e outros produtos derivados do petróleo. Apesar do Brasil ter se tornado autossuficiente em petróleo com a descoberta das reservas de pré-sal, isso não livrou o país da dependência externa de combustíveis . As quantidades ofertadas de gasolina e óleo diesel no mercado doméstico é bastante dependente do comércio internacional, pois as refinarias nacionais não foram projetadas para processar o petróleo produzido no país.

O represamento dos preços dos combustíveis, num período de alta dos preços internacionais do petróleo, pela Petrobras entre 2011 e 2014 causou prejuízos bilionários à empresa e resultou na mudança da política de preços. No entanto essa nova política levou a uma grande volatilidade dos preços para os consumidores. Isso, mais a alta volatilidade motivou a paralisação dos caminhoneiros em maio de 2018 (BBC BRASIL, 2018). Com o conflito na Ucrânia os preços dos combustíveis elevaram-se novamente, piorando o custo de vida no país.

Referências

BRITISH BROADCASTING CORPORATION BRASIL — BBC BRASIL. A cronologia da crise do diesel, do controle de preços de Dilma à greve dos caminhoneiros. Londres: BBC Brasil, 24 mai. 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44239437. Acesso em: 02 dez. 2018.

BRASIL. MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA — MME. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS — ANP. Dados estatísticos. Banco de dados online. Brasília: ANP, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/dados-estatisticos. Acesso em: 20 jun. 2022.

BRASIL. MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA — MME. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS — ANP. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural e biocombustíveis: 2021. Brasília: ANP, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/arquivos-anuario-estatistico-2021/anuario-2021.pdf. Acesso em: 20 jun. 2022.

BRASIL. SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. SECRETARIA ESPECIAL DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS — SAE Abertura Comercial para o Desenvolvimento. Brasília: SAE, n. 3, mar., 2018. Disponível em: http://bit.ly/2TSlcsM. Acesso em: 01 jun. 2018.

BRASIL. MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS — MDIC. Brasil e Chile assinam acordo de livre comércio. Brasília: MDIC, 21 nov. 2018. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/index.php/noticias/3695-brasil-e-chile-assinam-acordo-de-livre-comercio. Acesso em: 30 nov. 2018.

BRASIL. MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS — MDIC. Comex Stat. Banco de dados online. Brasília: MDIC, 2018. Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home. Acesso em: 27 nov. 2018.

BRUM, A. L.; DIDOLICH, E. F. O Grau de Abertura Comercial e a Taxa de Cobertura Global do Brasil entre 1950–2006. In: XLVII Congresso da Sober — Porto Alegre — RS. Ijuí: 2009.

AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Projeto cria sistema de bandas e fundo de estabilização para conter alta nos combustíveis. 11 mar. 2022. Brasília, DF. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/857540-projeto-cria-sistema-de-bandas-e-fundo-de-estabilizacao-para-conter-alta-nos-combustiveis/. Acesso em: 13 jul. 2022.

CARTA CAPITAL. A redução dos investimentos da Petrobras e a queda do emprego no Sul. São Paulo: Editora Confiança, Seção Economia, 17 ago. 2018. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/economia/a-reducao-dos-investimentos-da-petrobras-e-a-queda-do-emprego-no-sul. Acesso em: 29 nov. 2018.

COADY, David et al. Automatic Fuel Pricing Mechanisms with Price Smoothing: Design, Implementation, and Fiscal Implications. Technical Notes and Manuals. Washington D.C.: International Monetary Fund — IMF, dez. 2012. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/tnm/2012/tnm1203.pdf. Acesso em: 30 nov. 2018.

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL — FMI. IMF Primary Commodity Prices. Banco de dados online. Washington D.C.: FMI, 2018. Disponível em: http://bit.ly/2zBCxhb. Acesso em: 30 nov. 2018.

INSTITUTO BRASILEIRO DE PETRÓLEO, GÁS E BIOCOMBUSTÍVEIS — IBP. Evolução da balança comercial de petróleo e derivados. Rio de Janeiro: IBP, [2018?]. Disponível em: http://bit.ly/2P6o2XE. Acesso em: 27 nov. 2018.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA — IPEA. IpeaData. Banco de dados online. Brasília: IPEA, 2018. Disponível em: http://ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 28 nov. 2018.

MORAES, Marcelo. Manual para não-economistas: entenda a crise dos combustíveis. São Paulo: Instituto Mercado Popular — IMP, 30 mai. 2018. Disponível em: http://mercadopopular.org/2018/05/manual-para-nao-economistas-entenda-crise-dos-combustiveis/. Acesso em 02 dez. 2018.